domingo, 4 de maio de 2025

Paleontóloga luta pelo retorno de fóssil raro da Chapada do Araripe que está na Alemanha

Paleontóloga luta pelo retorno de fóssil brasileiro raro, traficado para Alemanha. Foto: Kabacchi/Wikipedia Creative Commons

Paleontóloga e mestre em Geociências pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, Beatriz Hörmanseder tem uma carreira curta, mas já está envolvida em um processo complexo que envolve uma disputa diplomática. Ao contrário do que se pensa, o trabalho de um profissional da área não consiste apenas em cavar e encontrar fósseis, mas também estudar a fundo os organismos ancestrais e garantir sua presença como parte do patrimônio cultural de um país.


Nos últimos anos, ela e um grupo de diversos pesquisadores da área lutam para trazer de volta fósseis brasileiros traficados para outros países, especialmente, para nações europeias. Eles denunciam a prática ilegal de venda e aquisição do patrimônio brasileiro, baseando-se no Decreto-Lei 4.142, de 1942, que declara que todos os depósitos fossilíferos do Brasil são propriedade exclusiva da nação.


Foto: Wikimedia Commons/Reprodução

Em sua mais atual disputa, Hörmanseder luta para que o Museu Estadual de História Natural de Stuttgart, na Alemanha, devolva o Irritator challengeri, um dinossauro que viveu há cerca de 110 milhões de anos atrás, exclusivamente em terras brasileiras.


Em entrevista a Marie Claire, ela explica a importância de recuperar o fóssil e os bastidores da longa disputa.


"O Irritator não é qualquer outro, é uma espécie brasileira que viveu na Chapada do Araripe, no Ceará. É um fóssil único, com preservação tridimensional, sem indivíduos da mesma espécie e um dos mais complexos do grupo de espinossaurídeos que existem. Essa é a grande problemática. Ele precisa voltar pela importância científica que representa e por ser nosso, por ser do estado do Ceará”, pontua a especialista em fósseis.


“Acredito que o que é do Brasil precisa estar no Brasil”

A paleontóloga conta que o desejo de ajudar na causa do Irritator nasceu enquanto dava os primeiros passos no doutorado, onde tomou mais conhecimento da problemática das espécies traficadas, especialmente a de dois dinossauros cearenses. Além do exemplar alvo da disputa que está sob posse do museu alemão, ela também atuou no retorno do Ubirajara jubatus, que voltou ao Brasil em junho de 2023.


“O ramo da paleontologia no Brasil é muito pequeno, então a gente acaba se juntando a quem tem os mesmos ideais. Como já havia ajudado na causa do Ubirajara e acredito que o que é do Brasil precisa estar no Brasil, me juntei à luta”, conta ela.


Beatriz faz parte de um grupo de quatro pesquisadores que brigam pelo Irritator. Além dela, atuam na causa Leticia Haertel, Aline Ghilardi e Leonardo Troiano. O trabalho da paleontóloga chama atenção nas redes sociais, já que segundo ela mesma, seu público tem muita curiosidade pela história de milhões de anos que resgata em vídeos para o TikTok e Instagram. E foi a partir desse interesse, somado à paixão que tem pela educação, que a pesquisadora decidiu juntar forças com a massa e mobilizá-la na causa do Irritator, pedindo assinaturas em um abaixo-assinado pelo retorno dele.


“Discordo quando dizem que o brasileiro tem carência científica, pois é um dos públicos mais curiosos que nós temos. Eu já tinha esse público engajado, que me mandava perguntas sobre os fósseis e sobre os dinossauros, então, decidi usar essa ferramenta da educação e comunicação para mobilizá-los. Me sinto feliz em ver que eles se importam e que quiseram ajudar.”


Até o momento da publicação desta entrevista, o abaixo-assinado virtual do grupo de pesquisadores do qual Hörmanseder faz parte teve mais de 24 mil assinaturas, o dobro das assinaturas pelo Ubirajara, recuperado trinta anos depois de ser traficado.


Paleontóloga explica vulnerabilidades nas leis que facilitam tráfico de fósseis

Segundo ela, o processo que permitiu a entrada do fóssil na Alemanha ainda é desconhecido. “No momento em que foi levado para fora, o Irritator já estava ilegal. Como ele foi? Adoraríamos saber. A única coisa que sabemos é que ele está ilegal através dos registros alemães, que vêm depois do Decreto-Lei de 42”, explica sobre a chegada misteriosa do dinossauro a Europa. A prática é conhecida no meio mundial da paleontologia e não está restrita ao Brasil. Mesmo assim, Beatriz revela que brechas na Lei e o pouco conhecimento da população sobre o assunto facilitam a exploração ilegal.


“Há dois exemplos muito claros da fragilidade desse meio. No Marrocos, por exemplo, há leis dúbias em cima da exploração de fósseis e uma população vulnerável. Já no caso do Brasil, a brecha é outra: a exploração e uso de minerais como peças ornamentais e em construções arquitetônicas. Saem do país toneladas de calcário. O que nos garante que não há um fóssil ali no meio? São pontos de que pessoas mal-intencionadas acabam se aproveitando.”


Mesmo com as dificuldades, há luz no fim do túnel para aqueles que buscam recuperar relíquias nacionais. A pesquisadora explica que a maioria dos documentos oficiais, como no caso dos feitos pelo Museu de Stuttgart, escancaram a adesão ilegal do patrimônio brasileiro. Foi por esta razão, que ela conseguiu denunciar o tráfico de 25 insetos há dois anos e recuperá-los. É previsto que, neste caso, os fósseis voltem ainda neste ano.


“As denúncias levam cerca de dois minutos, de forma on-line, para serem feitas ao Ministério Público. Muitas vezes, artigos científicos escancaram a forma ilegal que levaram os fósseis para fora, mas em casos como dos insetos, eu os encontrei anunciados sites de venda. Após a denúncia, não sabemos quanto tempo irá levar [para o fóssil voltar], porque é um processo judicial que se inicia.”


Hörmanseder analisa ainda que a demora do retorno se deve a uma memória histórica que países como o Brasil carregam de um período de exploração colonial por países europeus. Para a comunidade pequena, mas valente de paleontólogos brasileiros, a briga pelo patrimônio não é nada perto dos anos de exploração que o país vivenciou.


“Como cientistas brasileiros, sofremos muito com os rastros de um Brasil colônia. Muitos de nossos elementos culturais foram retirados de nós e levados para países colonizadores. São centenas de fósseis apenas de animais com ossos levados e quando falamos de outros tipos, o número aumenta muito. Falar de grandes tráficos, como o Irritator e o Ubirajara, é só o início da movimentação para repatriar nossa história.”


Ele vai voltar? A situação atual das negociações pelo do Irritator challengeri

A resposta do Museu de Stuttgart veio no dia 24 de março através da imprensa internacional, onde a instituição reconhecia que está aberto ao diálogo com o Brasil sobre seu patrimônio: "O museu participa de diversos projetos de cooperação com o Brasil e mantém um diálogo contínuo com cientistas brasileiros”, declarou representante da organização à agência alemã de notícias Ippen Media.


Sem reconhecer a ação ilegal, a instituição não revelou uma data de devolução do fóssil traficado. Apesar dos entraves, Beatriz comenta que tanto ela, quanto seu público e grupo de colegas, seguem confiantes na causa e que não desistirão de repatriar o dinossauro brasileiro, assim como qualquer outro fóssil tirado do país de forma ilegal.


“Se eu ou meus colegas não acreditássemos nessa causa, não teríamos sequer começado. Vou continuar engajando, pedindo assinaturas para o abaixo-assinado. Depois dessa declaração do museu, subimos de 18 mil para 24 mil assinaturas. Quanto mais pressão popular, mais movimento e é nisso que confiamos.”


Foto: Revista Marie Claire

Nenhum comentário:

Postar um comentário