Ao fim do segundo ano de mandato à frente do Executivo estadual, o governador Camilo Santana (PT) diz não estar totalmente satisfeito com os resultados de sua gestão. Segundo ele, a crise econômica brasileira dos dois últimos anos dificultou a administração estadual e atrasou parte de suas promessas de campanha, como por exemplo a construção dos hospitais regionais da Região Metropolitana de Fortaleza e da região do Jaguaribe. Na entrevista a seguir, o governador também comenta os desafios para 2017, a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios, a crise na sua base aliada e a possibilidade de sair do PT. Camilo admitiu ter dificuldades com o partido e disse que analisará, junto com aliados, a possibilidade de deixá-lo visando às eleições de 2018.
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Governador, é possível contabilizar saldo positivo neste seu segundo ano de governo, com toda a crise econômica e política que o Brasil enfrentou?
2016 foi um ano de muitos desafios, um ano em que enfrentamos uma instabilidade política muito forte e uma crise econômica consecutiva a 2015. Foram dois anos de crise, e isso era algo que não acontecia no Brasil há muito tempo, então claro que afeta estados, municípios e a população. O maior desafio de 2016, pra mim, foi a questão hídrica. São cinco anos consecutivos de seca no Ceará, e isso tem sido um esforço muito grande do governo e da sociedade para minimizar as dificuldades e garantir o abastecimento em Fortaleza e na Região Metropolitana. Nós superamos muitas dificuldades. Vemos estados com dificuldade até de honrar a folha, e nós conseguimos manter o Ceará equilibrado e fazendo investimentos. Ano passado, Ceará foi o 3º Estado que mais fez investimentos públicos, abaixo de São Paulo e Rio de Janeiro. Em relação à receita corrente líquida, fomos o primeiro. Este ano também conseguimos manter um nível de investimentos satisfatórios. São resultados que considero importantes no atual cenário que vivemos. Mas tem três pontos que eu acho que são importantes como resultados de um processo que vem se implementando. Primeiro, a conquista da siderúrgica. Conseguimos colocar para funcionar. Embora seja um investimento privado, foram precisos investimentos públicos para garantir esse empreendimento que hoje gera 18 mil empregos e vai mudar o perfil do Ceará, abrindo uma perspectiva muito forte para o setor metalmecânico. Outro ponto positivo é a Educação. O Ceará virou destaque nacional pelos resultados. Das 100 melhores escolas públicas estaduais, 77 são do Ceará. Isso é fruto de uma política que vem sendo implementada no Estado. O terceiro ponto é que a gente conseguiu em 2016 manter a queda de homicídios no Ceará. Fazia 17 anos que o índice de homicídios só crescia. Em 2015, reduzimos 9,5% e, neste ano, até novembro, reduzimos 15,5%. É uma área muito delicada a segurança pública, e agora vou fazer mudanças porque ainda não estou completamente satisfeito com os resultados, apesar dos avanços. O Ceará está em curva descendente em relação aos homicídios. Quando estive na China, perguntaram se Fortaleza era a cidade que estava entre as mais violentas do mundo. É uma imagem que precisamos mudar, e isso precisa ser prioridade.
O senhor iniciou o governo em 2015 anunciando medidas de austeridade e termina 2016 anunciando novas medidas de austeridade, embora também fale de investimentos. Quando sentiu essa necessidade de ser mais austero ainda no Governo?
O cenário da economia não tem gerado confiança no sentido da retomada de crescimento. Enfrentamos um 2015 muito ruim em termos de arrecadação. Se não tivéssemos iniciado o governo com austeridade - eu cortei 25% dos cargos comissionados, que me deu economia anual de R$ 30 milhões - talvez não estivéssemos equilibrados. Em 2016, esperávamos crescimento, mas não houve. Então tivemos que retomar a austeridade porque não sabemos o que será de 2017. Há um cenário político ainda muito inseguro, e isso é ruim para a economia do Brasil. Tomamos ações de redução de custos, desde a redução de secretarias até a extinção de alguns órgãos. Vamos reduzir o tamanho da máquina do Estado e priorizar as ações para a população, que é o que ela cobra.
O senhor começou falando do sucesso da administração em pelo menos três pontos. O senhor está satisfeito com o governo que está fazendo?
A gente sempre quer melhores resultados. Não estou satisfeito porque gostaria de ter alcançado mais resultados. Também não esperava governar em um momento com tantos desafios, talvez poucos gestores tenham assumido em um momento como este, que une crises econômica, política e hídrica. Isso tem exigido muito esforço para manter equilibrado o governo, com a folha em dia e investimentos, além de garantir o abastecimento de água em todo o Estado. Nestes dois anos, gastamos em torno de R$ 15 milhões em ações emergenciais ligadas à seca. Comprei máquinas perfuratriz, fiz muitos poços, adutoras. Aqui na Região Metropolitana, inaugurei um sistema que custou quase R$ 7 milhões para pressurização no açude Gavião. Se não fizesse isso, Fortaleza poderia ficar sem água. A nossa prioridade número um tem sido garantir o abastecimento de água.
Logo que o senhor assumiu, recebeu um presente de grego da Petrobras, que foi o fim do sonho da Refinaria. Que novo sonho o cearense pode ter para os próximos anos?
Primeiro, eu acho que nós nunca poderemos desistir da nossa Refinaria. Dou como exemplo a nossa Siderúrgica, que todos diziam que não iria se concretizar e hoje temos a primeira Siderúrgica integrada do Nordeste e uma das mais modernas do mundo. A refinaria é algo estratégico para o Ceará, ela abre setores para a economia do Estado. Tenho mantido contatos com empresas chinesas, em breve irei ao Irã para entrar em contato com outras empresas. Temos a única zona de processamento em funcionamento, que é algo que atrai investimentos. Precisamos trabalhar para trazer isso para o Estado. Outro ponto que pode alavancar a economia é o hub da Tam, e já conseguimos incluir a concessão do Aeroporto Pinto Martins. Saiu o edital em dezembro e em março sai o resultado da empresa vencedora. Isso vai trazer novos investimentos para o Ceará. Devemos também investir em tecnologia da informação porque estamos em uma localização geográfica privilegiada. Essa é uma área que cria um potencial muito grande de mercado e de geração de emprego. E tem também o Turismo, que é um setor grande que nós temos. Estamos duplicando a CE 040 de Beberibe a Fortim. Precisamos criar boas condições não só de transporte aéreo, mas também das nossas rodovias.
O senhor vai iniciar agora o seu terceiro ano de mandato. Como ficam as suas promessas de campanha? Vai dar para cumpri-las?
O compromisso da linha sul do metrô, de colocá-lo em funcionamento pleno, está sendo cumprido. Temos reduzido tempo e aumentado os trens. Também vou concluir o VLT de Fortaleza. Já está em teste o trecho de Parangaba à Avenida Borges de Melo e pretendemos concluir o trecho da Borges de Melo ao Mucuripe no ano que vem. É que tem um problema com as desapropriações, mas é uma obra importante para a mobilidade de Fortaleza. Também implantei neste ano o Bilhete Único Metropolitano, que traz uma economia de cerca de 100 reais por mês ao trabalhador da Região Metropolitana. Estamos ampliando as UPAs, que é um compromisso que fiz, em todos os municípios acima de 50 mil habitantes. Vamos entregar até o final do meu governo. Temos o compromisso dos dois hospitais, na Região Metropolitana e na região do Jaguaribe. Estamos atrasados nisso pelas dificuldades atuais, mas busquei um empréstimo que deve apenas passar na comissão do Senado. Com esse recurso, vamos construir os hospitais. Começaremos pelo da região do Jaguaribe, com uma parceria com a iniciativa privada e com as universidades de medicina para bancar o funcionamento desses hospitais porque não basta só construir, o custo para operar é alto e estamos aí com problemas para os repasses dos recursos federais. Eu guardo os meus compromissos de campanha e vou procurar honrá-los. Assumi e cumpri os compromissos de promoções na Segurança Pública, a interiorização do Raio. Enfim, há pontos que realizamos, outros em andamento e outros que ainda estamos vendo como realizar.
Em toda administração, as áreas de Saúde, Segurança e Educação são as mais críticas. Pelo destaque nacional, a educação no Ceará está bem. Na Segurança, o senhor anunciou mudanças. E para a Saúde?
O Ceará tem uma rede de atendimento e houve uma ampliação muito grande, com as UPAs e as policlínicas. Só em Fortaleza o Estado mantém seis UPAs. Colocamos em operação o Hospital Regional de Quixeramobim. Mas com as restrições de recursos que estamos tendo, a prioridade é manter funcionando o que já existe e melhorar esse serviço. Ano que vem, vou implementar um compromisso da campanha para a população avaliar o atendimento, porque a gestão pública tem que trabalhar a eficiência e a qualidade. A gente tem tido avanços importantes. Assumi o governo com um problema de sarampo, zeramos a fila de transplante de córnea e recebemos prêmios por equipamentos de saúde do Estado. Precisamos melhorar ainda muita coisa para garantir um serviço de qualidade. Para isso, precisamos de mais recursos. Hoje, o Ceará recebe um terço do que Pernambuco recebe de recursos federais, e isso é uma briga grande minha. Este ano, vou gastar em torno de R$ 1,6 bilhão só com o custeio da saúde, e recebo R$ 500 milhões do Governo Federal. Geralmente, é metade para cada. Precisamos resolver essa deficiência.
Governador, ajudar a extinguir o Tribunal de Contas dos Municípios resulta em quê para o Estado?
Há muito tempo, o Ceará pensava em fazer isso. É importante que o leitor saiba que só quatro estados tinham dois tribunais. A grande maioria apenas possui um tribunal que cumpre as duas funções, de fiscalizar o Estado e os municípios. Então a Assembleia, aproveitando o momento econômico e político, tomou a decisão de extinguir o TCM. Todas as funções passam para o TCE, que estará mais fortalecido e terá todo o corpo técnico para cumprir bem o seu papel.
Neste momento, o País clama por moralidade e transparência. Ter uma só corte não é uma perda?
Acho que não. Se em 23 estados um tribunal pode cumprir esse papel, porque o Ceará não poderia? O TCM tem grandes técnicos e auditores que agora passarão a compor o TCE, que também tem grandes profissionais. Eles serão um só tribunal para fiscalizar os recursos públicos com toda a moralidade que exige o povo cearense.
Neste fim de ano, o senhor propôs, e a Constituição estadual foi alterada em sete artigos para um novo ajuste fiscal. O que isso representa na gestão?
Representa regras mais austeras para a utilização dos recursos públicos, que são do povo cearense. Eu não posso gastar mais do que tenho. Estive com um governador do Nordeste que está com a folha atrasada. O Estado do Ceará teve a sorte de os últimos governantes terem a preocupação com o equilíbrio fiscal, e nós estamos tentando manter esse gerenciamento equilibrado. Ajustamos, mas preservamos áreas vitais, como Educação, Saúde e Segurança. É uma medida diferente da que o Governo Federal adotou, porque retiramos da limitação os investimentos, que é o que a população quer. Essas ações são para garantir melhores serviços para a população.
Esse pacote tolhe a atuação dos demais poderes?
Todos os poderes precisam ter a mesma responsabilidade porque o dinheiro só sai de um canto. Para pagar a Assembleia, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas, o recurso sai do mesmo caixa, que é o tesouro estadual. Apesar da independência entre os poderes, não posso gastar mais do que o que tenho condições. Haverá limitações para todos, inclusive para mim, para o Executivo. Precisamos garantir o equilíbrio fiscal. Fundamentalmente, o Estado existe para a população, para garantir os serviços às pessoas. Esse é o papel de um Estado eficiente e moderno, e é isso que estamos tentando fazer.
Até que ponto a queda da Dilma afetou o seu projeto de governo?
Tenho mantido uma relação institucional regular com o Governo Federal. Tenho mantido parcerias, convênios, e tenho sido bem recebido nos ministérios. Independentemente do presidente, vamos sempre defender o povo cearense.
Com o atual pacto federativo, o governador aliado ao presidente não teria mais condições de angariar recursos?
Isso é
NATURAL do nosso sistema político. Mas depois que um presidente é eleito, ele é gestor de todos os brasileiros, e a relação precisa ser respeitosa. Tenho tido muito apoio de toda a bancada cearense, inclusive de aliados do presidente Temer, e isso tem nos ajudado a garantir recursos. Atualmente, temos as obras da Transnordestina paradas, que são muito importantes. O presidente se sensibilizou e já liberou os recursos para a retomada. Fizemos o mesmo com a transposição das águas do São Francisco. Com diálogo, temos conseguido garantir investimentos e obras.
Quando o senhor assumiu, em 2015, fez observações sobre o comportamento do PT em relação ao mensalão. Depois, veio a operação Lava-Jato. O PT continuará sendo seu partido?
Independentemente de qualquer partido, tudo precisa ser investigado e quem cometeu qualquer crime contra o erário precisa ser punido. O que estamos vivendo no Brasil deve servir de aprendizado e de mudança. Em relação ao PT, tenho problemas de relacionamento há algum tempo. Na minha campanha, não tive apoio de parte do partido, nem da presidente Dilma nem do Lula. Recentemente, apoiei o prefeito Roberto Cláudio, e meu partido se colocou contra. Tudo isso está sendo avaliado, mas minhas energias neste momento estão voltadas para governar o Estado. Claro que a política é importante, mas vou ainda fazer uma avaliação com aliados para ver como será 2018, que ainda está muito distante.
O senhor encerra o ano com dificuldades na base aliada. Houve rompimento com Domingos Filho, conselheiro do Tribunal de Contas, e com o deputado Sérgio Aguiar. Como está o relacionamento do senhor com esta base?
Aprendi que a política tem dois princípios, que são a gratidão e a lealdade. Quando você é aliado, não pode ser só da boca pra fora. Tem que ser nos momentos bons e nos ruins. Eu tenho muito respeito pelo Domingos Filho e acho que a esposa dele, Patrícia Aguiar, foi uma das melhores prefeitas do Ceará. Agora, eu faço parte de um projeto coletivo que tem trazido frutos e resultados para o Ceará. A partir do momento que projetos individuais superam os interesses coletivos, é preciso rever essa relação, e foi isso que aconteceu. Não era o momento para criar uma conturbação em uma situação difícil como essa que estamos vivendo, numa eleição da Assembleia. A saída do Domingos foi uma decisão que ele tomou. Consolidamos a nossa base, talvez até tenha um aumento de deputados. Nunca quis indisposição com o deputado Sérgio Aguiar, mas o que estava em jogo era o projeto para o Ceará. Não poderíamos criar um momento de instabilidade agora. Perdemos aliados, ganhamos outros. Nosso compromisso é trabalhar para melhorar a vida da população cearense.