Foto: Guto Vital |
O avanço das obras do Cinturão das Águas do Ceará (CAC) na Região do Cariri tem deixado as comunidades impactadas aflitas. Os moradores do distrito do Baixio das Palmeiras, em Crato, registraram tratores desmatando uma área densa de mata nativa e temem que isso afete, ainda, riachos, poços e nascentes importantes para o abastecimento e para a cultura daquele território.
O Trecho 1 do empreendimento hídrico possui 145 quilômetros de extensão, entre canais, sifões e túneis, que vai do município de Jati à Nova Olinda. Subdivido em cinco lotes, três deles já foram concluídos (1, 2 e 5). Os subtrechos 3, onde está inserido o distrito Baixio das Palmeiras, e 4 ainda estão em andamento. A primeira etapa do CAC é responsável por captar a água do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), desaguando no Rio Cariús, em Nova Olinda, chegando até o açude Orós, o segundo maior reservatório do Ceará.
Contudo, desde 2021, a partir do chamado “eixo emergencial”, foi possível levar água do “Velho Chico” para o Açude Castanhão. Captada em Jati, o recurso hídrico percorre 53 quilômetros, até chegar ao Riacho Seco, em Missão Velha. Dele, a água segue por 13 quilômetros até o Rio Salgado, este, que deságua no Rio Jaguaribe que, por gravidade, contribui com o aporte do maior reservatório do estado.
DANOS
Apesar de ser enxergada como a possibilidade de garantir a segurança hídrica do Ceará, as comunidades que são atravessadas pelo CAC estão vendo o evoluir das obras com preocupação. “O que a gente reivindica é que essas comunidades tenham, minimamente, um acesso ao plano de desmatamento, que consta lá no EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental)”, cobra o professor Liro Nobre, morador do distrito do Baixio das Palmeiras.
“O que está acontecendo, hoje, é que a madeira está sendo retirada com tratores e arrastada para a área para lateral, de onde vai ser o canal. A madeira não está sendo aproveitada. A gente simplesmente está assistindo essa destruição sem ter acesso à madeira. Lá no EIA/RIMA fala de recursos florestais aproveitáveis, ou seja, minimamente, já que a gente está assistindo a isso que, pelo menos, tenhamos acesso à madeira, à lenha, à estaca. Até o momento, isso não está acontecendo”, defende o professor.
FONTES DE ÁGUA
Outra preocupação dos moradores se trata da área afetada. O distrito é formado por comunidades agrícolas assentadas numa estrada que dá acesso ao município de Barbalha e, ao mesmo tempo, uma área de tabuleiro, que é comumente chamada de “talhado”, uma parte do solo mais alta que vai até a encosta da Chapada do Araripe. “É uma área que tem mata, que está relativamente preservada, é onde a obra vai passar. Lá tem muitas fontes de água, pequenos poços, cacimba. A inquietação é com a possibilidade dessas águas secarem, as árvores, preservadas ao longo de gerações, que serão destruídas”, alerta Liro.
Entre as comunidades de Baixio dos Oitis e Baixio do Muquém, que compõem o distrito, são cerca de 3 quilômetros de extensão, cortados por riachos que nascem na encosta da Chapada do Araripe. No período chuvoso, o nível deles sobe consideravelmente. “Com a retirada do solo, o impacto no ‘talhado’ e esse desmatamento, nós não sabemos a quantidade e a velocidade da água. Como vai ser o comportamento desses riachos?”, questiona. No Baixio do Muquém, em especial, os moradores estão com medo de terem seu abastecimento de água interrompido e verem o seu olho d’água, um símbolo de sua comunidade, ser destruído pelas obras.
“É um bem precioso para nós. Água é vida. Isso aqui tem história, mais de 100 anos. Foi onde começou o abastecimento d’água daqui, das casas de farinha. É uma tristeza. É uma perda irreparável”, lamenta o agricultor Assis Nicolau, presidente da Associação dos Agricultores Familiares Sagrada Família do Baixio do Muquém.
Assis vê como iminente a perda de árvores enormes, com troncos de mais 30 metros de altura, que serão derrubados. Sobre a fonte de água, teme que as escavações causem o escamento de resíduos que aterrem a nascente. “A gente vai lutar para que a preservação seja feita do olho d’água, já que não podemos preservar a mata que vem sendo destruída”, diz. “Nesse período mais seco, ficam localizados pequenos poços de água. Água é pouca, mas é onde os animais vão beber. É uma área de refúgio para os animais silvestres”, acrescenta Liro.
Os moradores cobram, ainda, que haja alguma compensação ambiental que contemple o Baixio das Palmeiras. “Até agora, nada foi discutido com a comunidade”, completa o professor.
AUTORIZAÇÃO
Em nota, a Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH) esclareceu que todas as obras do CAC foram licenciadas e autorizadas para execução. “Toda a execução da estrutura é realizada com o devido monitoramento ambiental, conforme previsto nos estudos ambientais”, disse. Quanto à supressão vegetal, a pasta destaca que dispõe de todas as Autorizações de Supressão Vegetal (ASV), concedidas pela Semace, inseridas no Sistema SINAFLOR.
A SRH informou ainda que existem Planos de Salvamento da Fauna e Planos de Desmatamento Racional para minimizar os impactos ambientais. “A Semace e o IPHAN acompanham as ações em suas áreas específicas, conforme a legislação”, completou.
Sobre a compensação ambiental, a pasta destaca que será realizada, conforme prevista no EIA/RIMA, ambos analisados e aprovados pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente. Para isso, foi feito um Termo de Compromisso de compensação ambiental nº 12/2013 e respectivo aditivo no valor R$ 9.674.921,51, assinado em 15 de fevereiro de 2018, que foi totalmente quitado.
Por fim, a SRH alega que os estudos de impacto ambiental foram apresentados às comunidades da região, inclusive com audiências públicas. Nesses estudos, constam o plano de desmatamento racional, plano de salvamento da fauna e todos os demais planos previstos no Projeto Básico Ambiental (PBA). Além disso, destacou que a comunidade solicitou a doação da madeira extraída para o aproveitamento, mas o pedido está em análise.
Autor: Jornal Opinião CE
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