sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Reciclagem do vidro tem potencial sustentável, mas enfrenta desafios logísticos


O vidro é um dos materiais mais antigos utilizados pela humanidade e também um dos mais sustentáveis. A capacidade de ser reciclado infinitamente, sem perda de qualidade, o torna um aliado poderoso na luta contra o descarte inadequado de resíduos. No entanto, apesar das vantagens, o Brasil ainda enfrenta obstáculos para transformar esse potencial em realidade.


Segundo o relatório da Circula Vidro enviado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), o Brasil alcançou em 2024, pela primeira vez, a meta de reciclagem de embalagens de vidro estipulada pelo Decreto nº 11.300/22, tendo 25,1% do material reciclado. Um avanço considerável, tendo em vista que em 2023 o índice era de apenas 11%. Ainda segundo o decreto, a meta estabelecida para 2025 é de 28%, e até 2032, o objetivo é que o percentual mínimo seja de 32%.


A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10) e o decreto que a regulamenta estabeleceram metas regionais e nacionais para a logística reversa do vidro. Os percentuais mínimos por cada região, definidos no decreto, colocam Norte, Nordeste e Centro-Oeste com os menores índices, entre 3% e 5%. Já no Sul e Sudeste, os valores variam entre 6% e 16%. 


Em entrevista para o Valor Econômico, em fevereiro deste ano, o secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Mudança do Clima do MMA, Adalberto Maluf, destacou que, para alcançar as metas nas regiões com índices baixos, é necessário incluir as cooperativas de catadores. “Queremos trabalhar com eles para ampliar ainda mais a reciclagem de vidro no Norte, Centro-Oeste e Nordeste”, disse Maluf.


Desafios que travam o ciclo do vidro

A infraestrutura de beneficiamento e as grandes indústrias vidreiras concentram-se majoritariamente no eixo Sul-Sudeste, criando um gargalo logístico e econômico que penaliza as demais regiões. Enquanto o Sul e o Sudeste possuem rotas mais curtas e custos menores para levar o vidro até as recicladoras, o Norte e o Nordeste arcam com um frete que, muitas vezes, inviabiliza financeiramente a operação.


No Cariri, por exemplo, o valor da tonelada de vidro é de R$ 50, em média. Porém, o custo com o  transporte até os locais que recebem o material pode ser de até dez vezes maior. Além disso, por ser pesado e frágil, o vidro exige cuidados maiores no manuseio, elevando ainda mais os custos e riscos para catadores e cooperativas, que encontram baixo incentivo econômico. Eles recebem cerca de R$ 0,05 por quilo do material. 


Esses fatores, aliados à má distribuição geográfica das fábricas que recebem o material, fazem do processo de reciclagem do vidro um negócio pouco vantajoso, desestimulando a ampliação do setor.


Francisco Alvino, presidente da Kariri Ambiental, associação de recicladores sediada em Juazeiro do Norte, expõe a crueza da realidade local. “Nós temos, hoje, umas 40 toneladas de vidro. A gente vende a cinco centavos o quilo. É pouco? É, mas a gente recebe pra não jogar no meio ambiente, mesmo vendendo a cinco centavos”, desabafa.


Para os catadores e catadoras, figuras centrais e muitas vezes invisibilizadas da economia circular, o vidro é um paradoxo. O material é onipresente nas ruas e nos lares, mas o recolhimento é desestimulado por uma série de fatores práticos e econômicos. “Tem vidro demais. Você anda por aí na rua e vê. Pro catador, não compensa, às vezes não tem espaço e também tem que separar por cor,” explica Francisco Alvino. Além disso, a necessidade de armazenamento em áreas amplas e a exigência da indústria pela separação por cores (âmbar, verde, branco e azul) adicionam camadas de complexidade a uma rotina já extenuante e mal remunerada.


Como funciona a reciclagem

O processo de reciclagem do vidro começa com a coleta seletiva, na qual o material é separado por cor, visando garantir a qualidade do produto final. Após a triagem, os resíduos passam por uma etapa de limpeza, que remove rótulos, tampas e impurezas. Em seguida, o vidro é triturado em pequenos cacos, chamados de “cullet”, posteriormente fundidos em altas temperaturas e moldados novamente em novas embalagens ou produtos. 


Apesar da alta reciclabilidade, nem todo tipo de vidro pode ser reaproveitado. Vidros temperados (a exemplo dos utilizados em banheiros e janelas), espelhos, cerâmicas e cristais possuem composições químicas diferentes e pontos de fusão distintos, inviabilizando a reciclagem junto ao vidro comum. Esses materiais podem causar danos aos fornos industriais e comprometer a qualidade do produto final. Por isso, é fundamental que a população saiba identificar e separar corretamente os tipos de vidro.


Ações que transformam

Os desafios logísticos, financeiros e de cadeia produtiva ainda precisam ser superados, especialmente no Nordeste, para fortalecer a reciclagem do vidro. Mas iniciativas como a do paraibano Cleidson Souza dão exemplo de como o esforço para transformar realidades é coletivo. Ele é um dos gestores do Clube do Vidro, empresa que coleta e faz o descarte correto do material, em parceria com a Caco de Vidro Ambiental. O projeto surgiu após Cleidson observar, em shows, a forma como as garrafas de vidro eram descartadas.


Criado em 2024, o projeto cruzou fronteiras e chegou ao Ceará, atuando, inclusive, na região do Cariri. Cleidson explica que o Clube do Vidro atua em parceria com cooperativas, associações de reciclagem e os municípios, unificando forças para transformar o vidro em oportunidade. 


O valor, apesar de baixo, gera renda para catadores e cooperados. “A iniciativa já movimenta a economia circular e contribui para reduzir o descarte incorreto do vidro no estado”, disse Cleidson. Ele acrescenta que o próximo passo é ampliar as parcerias e tornar o Ceará referência nacional em reciclagem de vidro, com inclusão social e valorização dos trabalhadores da base da cadeia.


Além disso, a região terá um modelo de gestão integrada de resíduos sólidos, executado pela Regenera Cariri. Com investimentos de R$ 110 milhões ao longo de 30 anos, o projeto atende nove municípios atendidos pelo Consórcio Intermunicipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (Comares Cariri). A concessionária já promove ações de economia circular, educação ambiental e inclusão social. 


A iniciativa reforça o papel dos consórcios intermunicipais como solução para viabilizar a reciclagem em regiões com menor densidade industrial, conectando pequenos municípios e criando escala para atrair recicladores. A Regenera Cariri representa uma vertente de como a gestão pública, a iniciativa privada e a sociedade civil podem se unir para transformar realidades locais e contribuir para uma economia mais verde e inclusiva.

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