O Ceará é o estado brasileiro que mais registrou casos de chikungunya desde as primeiras notificações da doença no país. Ao todo, são 77.418 registros durante as três maiores ondas epidêmicas em 2016, 2017 e 2022 — o que causou, inclusive, mais mortes causadas pela doença do que por dengue; ambas transmitidas pelos mosquitos das espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus. Em toda o continente americano, o Brasil é o país com mais casos da doença, com mais de 1,2 milhão de ocorrências.
O estado contabilizou 1,3 óbito por mil casos diagnosticados por chikungunya; já a taxa de mortalidade da dengue no Ceará é de 1,1 óbito por mil casos. Os dados foram mostrados em estudo epidemiológico sobre o tema, publicado na revista The Lancet Microbe, nesta quinta-feira (6).
A partir das análises, os pesquisadores envolvidos no trabalho foram capazes ainda de determinar o padrão de disseminação da doença e os fatores de risco que podem servir de base para a elaboração de estratégias efetivas de controle, prevenção e tratamento.
Os pesquisadores sequenciaram o genoma do CHIKV e identificaram que a recorrência de chikungunya em 2022 no Ceará, após um hiato de quatro anos, foi associada a uma nova introdução de uma Linhagem leste-centro-sulafricana, provavelmente originária de outros estados brasileiros após introdução em 2014. O estudo também estima que nova linhagem de CHIKV foi introduzida no Ceará entre meados e final de 2021.
Com base na análise epidemiológica, os autores identificaram que as recorrências de chikungunya no Ceará, Tocantins e Pernambuco foram limitadas a municípios com poucos ou nenhum caso relatado nas ondas epidêmicas anteriores, sugerindo que a heterogeneidade espacial da disseminação do CHIKV e a imunidade da população explicam o padrão de recorrência no país.
Os autores sugerem que as populações dos municípios mais afetados pelas ondas epidêmicas de chikungunya apresentaram algum nível de proteção imunológica contra a doença e/ou transmissão que impediu temporariamente a recorrência de surtos explosivos de chikungunya. Em contraste, as populações de municípios menos expostos a ondas anteriores de chikungunya permaneceram mais suscetíveis.
No Ceará, os municípios que mais sofreram nas duas primeiras ondas foram os que menos somaram casos na terceira.
Cenário no Brasil
Após quase 10 anos desde a introdução do CHIKV no Brasil, o país apresenta o maior número de casos de chikungunya nas Américas com mais de 1,2 milhão de casos. Ainda não há vacinas ou medicamentos disponíveis para prevenir ou tratar a infecção. No Brasil, 59,5% (3.316 de 5.570) foram atingidos pela doença entre 2013 e 2022.
O estudo informou que, neste ano, o número de casos de chikungunya no Brasil mais que dobrou nos primeiros meses em relação ao mesmo período do ano passado. Os maiores aumentos foram observados na região Sudeste, principalmente em Minas Gerais e no Espírito Santo.
“Como o Brasil é um país de dimensões continentais e o mosquito transmissor está virtualmente presente em todos os municípios, vivemos um ciclo interminável”, disse William Marciel de Souza, pesquisador da University of Texas Medical Branch.
Ele divide a primeira autoria do estudo com Shirlene Telmos Silva de Lima, pesquisadora do Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará e do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia da Unicamp (IB-Unicamp).
Quando o vírus causador da febre chikungunya (CHIKV) foi introduzido no Brasil, os especialistas em arboviroses acreditavam que ele repetiria a dinâmica que já havia apresentado em outros países, como a Índia, por exemplo: uma ou, no máximo, duas ondas curtas e explosivas, com exposição de grande parte da população, seguidas de um hiato considerável de anos.
Os pesquisadores reforçaram que, diferentemente da dengue, cujo vírus causador pode apresentar quatro genótipos distintos e, portanto, provocar quatro eventos de contaminação, o CHIKV não deveria causar reinfecções.
“Os resultados mostram que a dinâmica da dispersão do chikungunya é diferente da observada no caso da dengue e, provavelmente, da zika: ele não está reinfectando a população, mas causando surtos explosivos em lugares com baixa exposição prévia ao vírus”, explica William Marciel de Souza, pesquisador da University of Texas Medical Branch.
“Mudamos ainda um paradigma importante com este estudo: o de que apenas a dengue seja uma doença grave – chikungunya, além de debilitante, é também mortal”, completa Lima.
Mulheres, idosos e crianças em risco
O mapeamento também apontou fatores de risco envolvidos nas infecções sintomáticas, mais prevalentes em mulheres, e nas mortes, mais frequentes em crianças e idosos, que possuem sistemas imunes menos fortalecidos.
O estudo demonstra que as mulheres são afetadas desproporcionalmente e estimam a taxa de mortalidade por chikungunya de 1,3 mortes por 1.000 casos confirmados, o que é maior do que outros arbovírus endêmicos em países tropicais, como dengue e infecções pelo vírus Zika.
Os pesquisadores concluem que as epidemias de chikungunya continuarão a ocorrer se nenhuma intervenção for implementada, causando grandes ondas epidêmicas com milhares de casos e mortes devido à heterogeneidade geográfica associada à disseminação ou recorrência do CHIKV. Por fim, os pesquisadores destacam que esses resultados serão úteis para informar o setor de saúde pública para antecipar e prevenir futuras ondas epidêmicas de Chikungunya no país.
O estudo com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e foi elaborado por pesquisadores do Imperial College (Reino Unido), do Laboratório de Saúde Pública do Ceará, do Ministério da Saúde, das universidades Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo (USP) e Federal de Roraima (UFRR) e da University of Texas Medical Branch (Estados Unidos).
Fonte: g1 CE
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