Quando
Jéssica (nome fictício) percebeu as primeiras manchas avermelhadas na pele,
logo pensou se tratar de alguma alergia. Cinco semanas se passaram e as lesões
cutâneas persistiam. O autodiagnóstico, desta vez, previu se tratar de “alguma
ferida causada por picada de um bicho”, conforme recorda a professora que pediu
para ter sua identidade preservada. A ida tardia ao médico atestou que as
manchas se tratavam de uma Urticária Crônica Espontânea (UCE). A docente, hoje afastada
de suas atividades, faz parte de uma pequena parcela da população brasileira
acometida com essa doença complexa e muitas vezes incapacitante.
O
médico alergista e imunologista Cícero Inácio ressalta a importância de um
diagnóstico rápido e assertivo para o início imediato do tratamento que pode
ser feito, em seu primeiro estágio, com anti-histamínicos e, num segundo
momento, caso os sintomas não cessem, com o mesmo remédio, porém, com dosagem
quatro vezes superior. “Em 50% dos casos, o paciente consegue controlar a
doença na primeira ou segunda linha de tratamento”, pontua o especialista. Para
estas duas fases, o procedimento custa em média R$ 80 e R$ 320,
respectivamente.
Batalha
judicial
Para
a outra metade dos pacientes nos quais o organismo se mostrou resistente, o
drama em busca do controle da doença é ainda maior. Isso porque a terceira
linha de tratamento custa cerca de R$ 7 mil e não é custeada pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) ou planos privados de assistência à saúde. “Esse tratamento
injetável imunobiológico contra urticária é referência mundial e pode trazer
alívio ao paciente em apenas dois ou três dias”, pontua o médico, referindo-se ao
método que começou a ser implantado em Juazeiro do Norte – única cidade do
interior a dispor do procedimento. No entanto, diante do alto valor, apenas uma
irrisória parcela dos pacientes possui condições financeiras para custeá-lo.
Foi
diante deste cenário complicador, que cinco pacientes de Juazeiro ganharam
recentemente na justiça o acesso gratuito aos caros medicamentos. Todos esses
pacientes são assistidos por Cícero Inácio. Ele comemora o acesso adquirido ao
recurso terapêutico, mas lamenta que o número de pessoas tratadas com este
imunobiológico ainda seja limitado. “Em países da Europa, por exemplo, esse
acesso é bem mais expandido, assim como também acontece nos Estados Unidos. O
uso desses imunobiológicos traz conforto e bem-estar imediato ao paciente”,
acrescenta. Até pouco tempo, esse tratamento só era disponibilizado em
Fortaleza. No Ceará, somente 36 alergistas e imunologistas estão credenciados a
operar o método injetável.
Luta e
alívio
Segundo
a defensora pública do Núcleo de Defesa da Saúde do Ceará, Karinne Matos, o
paciente pode requerer o tratamento pago pelo Estado em duas situações: quando
o Sistema Único de Saúde não fornece o tratamento ou quando o plano de saúde
não cobre o valor. O juiz Bruno Barbosa Pinheiro acrescenta que os planos de
saúde justificam que o tratamento não está previsto na Agência Nacional de
Saúde (ANS). Contudo, o magistrado esclarece que o valor previsto na ANS diz
respeito ao “mínimo que o plano tem que oferecer, mas os planos interpretam
como se fosse o valor total”.
O
juiz acrescenta que, havendo previsão contratual da doença coberta, o plano de
saúde não pode limitar o tipo de terapia a ser ministrada, pois a lista de
procedimentos obrigatórios previstos nas resoluções da ANS representa apenas a
cobertura mínima obrigatória, “especialmente nos casos de urgência e
emergência”. Nessas situações, geralmente a justiça determina que o plano cubra
o tratamento, como já fora deferido liminarmente, por Bruno Barbosa, em outras
ocasiões.
O
procedimento, segundo Karine Matos, “é simples”. No caso do tratamento
imunobiológico, que não é coberto pelo SUS, a Defensoria encaminha um e-mail
solicitando o procedimento para o Estado ou ao plano de saúde – caso o paciente
o tenha. Se for negado, o órgão judicializa a ação. Segundo a defensora, o
Núcleo da Saúde tem uma porcentagem “muito alta de êxitos”. No pedido para
conseguir o tratamento, primeiro é visto o perfil do paciente.
“É
feito triagem, laudo médico e levantadas todas as informações”, esclarece a
defensora. Para uma das pacientes de Cícero Inácio, esses detalhes foram
fundamentais para conquistar o direito ao tratamento. “Após quatro dias do
início do procedimento, uma das minhas pacientes confidencializou ter
conseguido dormir novamente após 15 anos convivendo com a doença”. É desse
alívio que Jéssica, hoje residente em Fortaleza, está em busca.
Afastada
das salas de aula há um mês e meio, por conta da enfermidade, ela conta que “a
doença modificou sua rotina”. “No início não incomodava tanto, mas depois as
manchas foram piorando. Coçava tanto ao ponto de doer. Tomei medicação, mas não
adiantou muito. Foi aí que meu médico me contou sobre esse tratamento, que é
bem mais caro”, relatou. A expectativa agora é que a justiça defira o pedido da
professora.
Além
de possibilitar alívio rápido ao doente, o tratamento imunobiológico é benéfico
por livrar o paciente do uso constante de corticoide. Segundo explica a médica
Luana Costa, o uso indiscriminado desses medicamentos está associado a vários
efeitos adversos e esses se tornam mais proeminentes quanto maior for o tempo
de uso da substância.
“Há
situações em que realmente existe necessidade do uso prolongado dessa
medicação. Mas o paciente deve ser orientado dos prováveis efeitos adversos
causados com o uso crônico dos corticoides”, explica. Os efeitos colaterais,
ainda segundo a médica, podem ser hipertensão arterial, diabetes, osteoporose e
alterações visuais como a catarata e glaucoma. Diário do Nordeste
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