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da música popular brasileira, o cantor e compositor João Gilberto morreu aos
88 anos de idade, segundo informações do jornal O Globo. A causa mortis
ainda não foi divulgada.
Em
sua última década de vida, o artista viveu recluso, sem perder, no entanto, a
reputação como uma das figuras que revolucionou o cenário da música brasileira.
Um dos marcos de sua carreira foi o disco "Chega de Saudade" (1958), obra fundamental
e citada como referência por vários medalhões da MPB, a exemplo de
Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil.
Nascido
em Juazeiro (BA), João Gilberto tinha 67
anos de carreira e deixa três filhos: João Marcelo, Bebel
Gilberto e Luísa. Ele havia completado 88 anos no último dia 10 de junho.
A
notícia foi divulgada por meio de uma postagem de seu filho João Marcelo nas redes
sociais. "Meu pai morreu. Sua luta foi nobre, ele tentou manter a
dignidade à luz da perda da independência. Agradeço minha família por estar
aqui por ele", escreveu o filho do cantor.
João
Gilberto era o próprio violão. Calado para o mundo, ruidoso consigo mesmo,
percutia as ideias em sua caixa de ressonância de forma que só quem
estivesse próximo o escutasse. Na vida em monastério que adotou por anos,
seguia invisível e em total silêncio, abrindo a porta de seu apartamento
apenas para poucos, como a filha Bebel Gilberto, a ex-namorada Claudia Faissol
e sua filha com ela, Lulu.
João
não estava pronto para se tornar um gigante. Nunca entendeu bem o que era isso.
Menino de Juazeiro da Bahia, nadou nas águas do São Francisco e beijou garotas
da vizinha Petrolina como se fosse normal. E era, até o dia em que avistou um
caminhão vindo por uma estrada que cruzada sua cidade. Ao amigo que o
acompanhava, disse como se recitasse uma oração: "Veja lá aquele caminhão,
que maravilha. As árvores estão acariciando sua cabeça." Árvores,
pássaros, chuva, tudo parecia mais importante a seus olhos e ouvidos
do que os próprios homens.
Família
Mas
a história estava em suas mãos. Filho do comerciante Juveniano Domingos de
Oliveira e da católica Martinha do Prado Pereira de Oliveira, a Patu, João
viveu em terras juazeirenses até 1942, aos 11 anos, quando seguiu para estudar
em Aracaju.
Juazeiro ainda o
teria de volta quatro anos depois, quando o violão que o pai lhe deu começou a
ganhar as primeiras carícias. A Rádio Nacional lhe trazia o mundo e João
flutuava ao som de Orlando Silva, Dorival Caymmi, Chet Baker e Carmen Miranda.
O primeiro grupo, Enamorados do Ritmo, veio logo, e Juazeiro ficou
pequena.
A
cidade que o recebeu na sequência teria sério papel na formação de seu caráter
artístico. Aos 18 anos, em Salvador,
já trabalhava com carteira assinada na Rádio Sociedade da Bahia. Não havia
ainda desenhado o formato voz e violão, mas seguia os mandamentos
de Orlando Silva tentado imitá-lo, por mais que o moderno já fossem Dick
Farney e Lúcio Alves. O grupo vocal Garotos da Lua o chamou e lá se foi,
ainda sem a obrigação com o violão, gravar dois discos em 78 rotações.
O Rio de Janeiro fervia na
segunda metade dos anos 50, e foi para lá que João seguiu, aos 26 anos, em 1957.
Sem muitos recursos, seguia a trilha de quem queria ser alguém com um violão
debaixo do braço. Cantou para quem poderia fazer a diferença, como o
cantor Tito Madi, mas teve mais sorte ao cair nas graças do produtor e
também violonista Roberto Menescal.
O
violão de João virava a vedete. Bim Bom, uma das primeiras que apresentou aos
círculos de artistas no Rio, já trazia o caminhão com a carroceria cheia.
A levada uniforme deslocando acentos fortes para lugares incomuns, a harmonia
abrindo picadas onde ainda ninguém havia passado, a mão que fazia acordes
fazendo também percussão. E a voz. A voz de João deixava as tentativas da
impostação e partia para o que fazia o trompetista Chet Baker quando cantava.
Volume baixo e notas de longa duração, limpas, sem vibrato. João, depois
de acreditar no violão, passava a ter fé no fio da própria voz.
E,
então, fez-se a Bossa
Nova. Era julho de 1958 quando Elizeth Cardoso aparecer com o
disco Canção do Amor Demais, com músicas de Tom Jobim e Vinicius de
Moraes. Ao violão em duas das faixas, Chega de Saudade e Outra Vez, João
Gilberto. E era só a ponta da cabeça de um baiano que se revelaria por
inteiro um mês depois. Em agosto, João, já uma aposta de Tom
Jobim, Dorival Caymmi e Aloysio de Oliveira, grava seu próprio 78 rotações
com Chega de Saudade e Bim Bom, gravado pela Odeon.
Se
acabasse aqui, a missão de João já estaria completa. O que ele fez foi pouco e
simplesmente tudo. Criou um violão brasileiro e, sobre ele, ajudou a
fundar um gênero. Seguiu na formatação de sua proposta com o seguinte 78, em
1959, que trazia Desafinado, de Tom e Newton Mendonça, e Hô-bá-lá-lá,
música de sua autoria. E ainda traria seu LP Chega de
Saudade, definindo-se como um acontecimento. "Em pouquíssimo tempo,
(João) influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos
e cantores", escreveu Tom na contracapa do disco. Estadão Conteúdo
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