No começo, era apenas um
passatempo; uma maneira de entreter as crianças, que insistiam por brinquedos,
quando o dinheiro mal dava para comprar o pão. Morar próximo ao barreiro onde o
gado bebia água facilitava. De lá, dona Maria de Lourdes, matriarca da família
Cândido, tirava a matéria-prima para moldar as miudezas: panelinhas e potes
para as meninas; animaizinhos e vaqueiros para o menino.
Não demorou muito para essas
produções despretensiosas tornarem-se a principal forma de sustento da família.
E hoje, praticamente cinco décadas depois, ainda se colhem os frutos dessa
criação, agora coletiva e mais aprimorada, denotando cenas do cotidiano. De
Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, mais de 50 obras viajaram até o Rio de
Janeiro, onde foram organizadas em exposição, no Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular (CNFCP).
Responsável pela pesquisa e
pelo texto da mostra "Maria de Lourdes Candido - Álbum de Família",
Guacira Waldeck destaca a força de uma produção que vem se difundindo entre
filhos, marido, netos e nora.
Marca autoral é essencial na
criação de Maria de Lourdes. Mas não podemos apagar o fato de que o autor é uma
construção moderna centrada no indivíduo, e as práticas criativas nas culturas
populares envolvem a rede de parentesco, de vizinhança".
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Lambe-lambe produzido pela artesã Maria do Socorro
Cândid
(FOTO: FRANCISCO MOREIRA DA COSTA/CNFCP)
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Distribuídas na Sala do Artista
Popular (SAP), as peças da matriarca se confundem com a das descendentes Maria
das Dores e Maria do Socorro, e da nora Aucilene. Isto porque certos temas
(como passaram a ser identificadas as "narrativas em relevo") são
comuns a todas, ainda que cada uma tenha suas preferências nesse universo. Vale
ressaltar que para o Rio foi enviado um pouco de tudo, incluindo detalhes das
manifestações populares que evocam a memória do Cariri, a exemplo do reisado e
do maneiro-pau.
Expressão
Essa não é a primeira vez que
as obras da família Cândido são expostas por lá. Algumas peças já integram o
acervo do CNFCP desde os anos 1980, como recorda Guacira Waldeck. Em visita
recente a Juazeiro do Norte, em março deste ano, a pesquisadora e o fotógrafo
Francisco Moreira da Costa reuniram em três dias o material necessário para a
mostra.
"Não é simplesmente
colocar a obra pra ser contemplada, mas trazer um pouco esse outro mundo por
meio dos textos e das fotos: como eles fazem pra coletar a matéria-prima, como
é o lugar em que vivem", explica Guacira. E foi isso que chamou a atenção
de dona Maria de Lourdes quando chegou ao Rio de Janeiro, na semana passada.
“Na abertura da exposição foi
tudo muito lindo. Não esperava chegar e encontrar daquela forma. Aqui a gente
bota na parede, mas não sabe decorar direito. Eles botam bem legal, é muito
interessante, num espaço grande, muito bonito",
descreve a artesã, que também
aproveitou a viagem para passear com a filha Maria das Dores. "Fui no Pão
de Açúcar, na Praia de Copacabana, tudo lindo, minha filha!", conta entre
risos.
Em poucos dias, todas as peças
expostas foram vendidas, motivo de comemoração para a família, que receberá o
valor correspondente. Num ritmo próprio, as Marias se preparam para enviar mais
algumas obras para a loja do CNFCP. Enquanto, por aqui, a Secretaria de Cultura
de Juazeiro do Norte, parceira da Associação de Amigos do Museu de Folclore
Edison Carneiro na realização dessa mostra, também se organiza para promover
exposição semelhante no Cariri, no segundo semestre do ano. Diário
do Nordeste
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