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A vida no campo é dura, os agricultores familiares
admitem, mas, criados e acostumados a este meio, revelam gostar muito da lida
com as coisas da terra, atividade que envolve toda a família (Foto: Antonio
Rodrigues)
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"Nasci
e me criei na roça", frase comum entre os agricultores familiares. No
entanto, as práticas de plantação, cultivo e colheita aprendidas com os pais
vão se aperfeiçoando, no Cariri cearense, a partir de capacitações, encontros e
intercâmbios entre os produtores rurais, promovidas pelas entidades que
trabalham no campo e com a implantação de tecnologias sociais. Nestes dois
municípios, por exemplo, no sopé da Chapada do Araripe e em seu topo, as
pessoas vão descobrindo novas formas de plantar e o potencial de sua terra para
outras culturas.
No
meio da Floresta Nacional do Araripe (Flona), por todos os lados, é possível
encontrar barreiros secos entre algumas casas abandonadas. Mas lá também fica o
Sítio Catolé, nos limites dos municípios de Nova Olinda e Santana do Cariri. A
comunidade se notabilizou pela mandiocultura, primeiro porque o solo mais
arenoso favorece a produção do tubérculo; segundo, a água da chuva infiltra
rapidamente na Chapada do Araripe, impedindo que o recurso hídrico seja retido
para irrigação de outras culturas.
É
a mandioca a responsável pelo desenvolvimento da comunidade. A partir da
Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Serra do Catolé, muitas famílias
sobrevivem com a produção de farinha e goma, vendidas nas feiras de Santana do
Cariri, Nova Olinda e Crato. Todo dia, a casa de farinha comunitária é ocupada
por uma família diferente que, a partir de uma escala, utiliza o equipamento.
Parte da renda mantém o local e o restante fica com os moradores.
É
naquele chão que a agricultora Francineide Bezerra, junto de sua família, raspa
a mandioca desde as 6 horas da manhã. "A gente arranca a mandioca que
planta aqui mesmo", conta. Apesar de morar há pouco tempo no Catolé, ela
já se adaptou à cultura da comunidade. "O emprego da gente tem que ser
isso aqui, porque não tem outro", justifica. Cada um faz seus produtos e,
às vezes, o responsável paga uma diária para outros moradores ajudarem na
fabricação de farinha e goma. "É uma animação, com todo mundo reunido. O
dia passa que nem damos fé. Só fica com muita dor nas costas, mas é bom",
brinca a agricultura.
Além
da mandioca, os agricultores produzem andu e feijão, mas, a maioria, para o
próprio consumo. "É muito pouco. Não dá para vender", justifica
Francineide. Há alguns anos, a chegada das cisternas transformou o Semiárido,
seja para garantir o consumo de água, com as de 16 mil litros, ou para
irrigação, nas chamadas "segunda água", de até 52 mil litros. Isso
potencializou a produção de outras culturas, a partir do incentivo da criação
de hortas. Na Chapada, eles ainda contam com a colheita dos além dos frutos,
como caju e manga, entre outros.
"Aqui,
o forte sempre foi a mandioca", garante o agricultor José Valdo, 47. Na
sua infância, além do tubérculo, as vendas de carvão e andu eram exploradas no
Catolé. Nascido e criado na comunidade, ele começou a trabalhar na roça aos 10
anos, limpando carreira de mandioca com seus irmãos a pouco mais de uma légua
de onde hoje mora com sua esposa e sete filhos. "Nunca fui para a cidade
para trabalhar ou a favor de ninguém", pontua.
Apesar
de não dispensar a mandioca, principalmente entre os meses de julho e setembro,
quando também produz farinha e goma, ele resolveu diversificar sua produção com
a chegada das cisternas. "Hoje, a gente planta outras coisas, como
hortaliça. Também tem bastante fruta que, na minha infância, não tinha",
lembra José Valdo. Sua esposa, a agricultura Maria Lourdes Rodrigues, 43, fica
responsável pela horta, mas também apanha a fava no quintal de casa.
"Hoje
está bem melhor. As roças eram longe de casa. Tinha que ir a pé, de cabaça nas
costas com água. Sempre foi sofrida a nossa vida. Com as cisternas, descansou
mais. Antes, quando Zé saía da roça, 5 horas, em vez de me ajudar, dar comida
aos porcos, galinhas, ia pra caixa buscar água para ainda banhar menino e fazer
o almoço do outro dia", conta Lourdes. Apesar de a cisterna ser importante
para transformar, na própria comunidade, tem quem possua a estrutura mas não
plante.
Lourdes,
pelo contrário, não desanima, mesmo com o ataque recente dos passarinhos em sua
horta. "Tiro coentro, alface, tomatinhos", descreve. Sua rotina
começa cedo, por volta das 5h, fazendo a merenda e colocando o feijão no fogo.
Em seguida, rega as verduras e legumes, dá comida aos porcos e ajuda as
crianças nas tarefas escolares. Também não deixa de lado a roça, indo quebrar
milho. "Só não vou limpar mato, porque trabalho demais", suspira.
Desde
2003, José Valdo leva goma e farinha para vender no Crato. Foi aí que as coisas
começaram a melhorar. "Já fui tão humilhado naquela feira. Lutava para
vender um saco de farinha para fazer feira para cinco, seis crianças.
Sinceramente, quando lembro o que passei com essa mulher, hoje estou no
céu", declara. Desde então, largou a feira tradicional e se juntou à Feira
Agroecológica da Associação Cristã de Base (ACB). "Tem pessoas que compram
diretamente daqui", completa.
Mudanças
José
Valdo acredita que uma importante mudança ajudou na sua saúde: o fim do uso do
agrotóxico. "Essas feiras, capacitações, tiraram, não só eu, mas outras
pessoas do veneno. Eu considero minhas coisas orgânicas, mas, se não fossem as
capacitações, eu estaria na mesma situação", acredita o agricultor. Há
oito anos, resolveu experimentar o café na Chapa do Araripe e dele, toda safra,
tira até 30Kg no seu quintal. É pouco, admite, mas é uma opção mais saudável.
"No lugar de comprar um café que não sei a origem, tomo do meu que eu sei
que é orgânico. Aqui não uso veneno. A única coisa que uso quando dá praga é a
manipueira da mandioca e o nim", descreve.
Renovação
No
sopé da Chapada do Araripe a realidade é diferente. As inúmeras nascentes são
utilizadas na irrigação de uma produção rica e diversificada. É o caso do Sítio
Cabeça e Lopes, próximo ao Engenho Bebida Nova, em Crato. Lá, no meio da mata
fechada, uma infinidade de frutos, verduras e legumes é cultivada por Ronaldo
Pereira, 36. Há 10 anos trabalha com horta e viu a venda transformar a sua
vida.
"Sempre
trabalhei com agricultura, desde que me entendi por gente. Não na parte de
horta, nas roças. Era agricultor de sequeiro: milho, feijão, fava,
amendoim", lembra. Na época que ajudava seu pai, eram comuns as queimadas
antes da plantação. "A gente tinha como hábito. Hoje, diminuiu
bastante", completa. Casado e pai de uma criança de nove anos, Ronaldo,
que vai de bicicleta de casa até as hortas, possui um carro para escoar seus
produtos, que vende em três feiras orgânicas no Município.
A
área que trabalha é arrendada por alguns anos e uma porcentagem mensal é do
proprietário. Mesmo assim, consegue garantir o sustento dele, seu irmão e mais
dois sobrinhos, que se revezam nas tarefas do campo. Lá tem beterraba,
rabanete, cenoura, batata-doce, macaxeira, três tipos de alface (americana,
crespa e roxa), couve, rúcula, coentro, cebolinha, brócolis, salsinha,
berinjela, pimentão, hortelã, manjericão, tomilho, orégano, tomate cereja, alho
poró.
Lá,
ele divide a plantação em três áreas, pois cada uma requer um tipo diferente de
solo. "Na medida em que trabalha a terra vai identificando, meio que no
olho mesmo, que cultura vai se adaptando ali. Nas áreas mais arenosas, introduz
cenoura. Nas mais argilosas, berinjela, jiló.
Apoio
Pronaf
- Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Financiamento à
implantação, ampliação ou modernização da estrutura de produção,
beneficiamento, industrialização e de serviços no estabelecimento rural ou em
áreas comunitárias próximas, visando à geração de renda e à melhora do uso da
mão de obra familiar.
PAA
- Programa de Aquisição de Alimentos - Compra alimentos produzidos pela
agricultura familiar, com dispensa de licitação, e os destina às pessoas em
situação de insegurança alimentar e nutricional e àquelas atendidas pela rede
socioassistencial, pelos equipamentos públicos de segurança alimentar e
nutricional e pela rede pública e filantrópica de ensino. Fonte: Diário do Nordeste
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