segunda-feira, 14 de março de 2016

Capital sufocou seus mananciais e luta contra efeitos


Fortaleza trava uma relação ambígua com seus recursos hídricos. Assim como a maioria das metrópoles, - cujo o início está atrelado à rede hidrográfica - a capital cearense nasceu e se desenvolveu às margens do Riacho Pajeú, que representava fonte de vida, de água, comida, diversão e lazer. Com o crescimento acelerado e desordenado, o manancial perdeu valor e hoje pouco se vê ou sabe sobre ele. Sua nascente foi aterrada para a construção de prédios ou colocação de asfalto nas vias como a Avenida Heráclito Graça. Corre em galerias e canais poluídos e fétidos. Esse é o exemplo mais claro do que o desenvolvimento insustentável provocou na cidade que sufocou seus rios, lagos e lagoas.
É difícil de imaginar que até 1970/80 a população tomava água, nadava e pescava no Riacho Maceió. O eletricista Francisco de Assis Acioly que o diga. "Não tinha casa, rua asfaltada e a agente podia ver e ouvir o barulho do mar. Sei que a cidade tem que crescer, a população necessita de moradia, mas não precisava fazer isso que nós mesmo fizemos aqui", lamenta.
2
Outro que virou depósito de lixo e luta para sobreviver é o Rio Cocó. No trecho da BR-116, os problemas de degradação e assoreamento estão visíveis Fotos Cid Barbosa
Atualmente, graças a muita luta, foi construído um parque em trecho do Maceió. "Ainda está muito poluído e mesmo assim, a avenida passa por cima dele, abafando e escondendo suas águas. E pensar que aqui tinha mangueiras e outras árvores frondosas", comenta ele.
Na cidade não existe uma reserva natural que ou não tenha sido asfixiada ou virado depósito de lixo. O Cocó é um deles. "O desafio é tentar salvá-lo", diz o biólogo João Madureira. Para ele, as ações neste sentido ainda são tímidas. "A ideia é torná-lo navegável em pequeno trecho, entre as avenidas Sebastião de Abreu e Engenheiro Santana Júnior, mas o assoreamento continua e piora em grande parte", analisa o biólogo.
O aposentado Alexandre da Silva mora nas proximidades do rio, na BR-116. "Lembro que antes tinha muitos peixes, a gente podia tomar banho e agora virou isso aí, um esgoto a céu aberto", acrescenta.
3
As águas do Rio Maranguapinho foram límpidas e atraíam pessoas de todas as idades que tiravam dele seu sustento e diversão. Atualmente, projeto tenta reverter assoreamento e degradação do manancial
Desaparecimento
O memorialista Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, lembra de pelo menos dois corpos hídricos "engolidos" pelo progresso: a Lagoa do Tauape, nas proximidades do Estádio Presidente Vargas (PV), e do Riacho Jacarecanga, localizado em bairro do mesmo nome. "A primeira foi aterrada para a Avenida Marechal Deodoro e construção de prédios residenciais. O mesmo destino da segunda, onde era possível navegar. Ali, foram surgindo as elegantes edificações do local", conta o memorialista.
Para o geógrafo da Universidade Federal do Ceará (Uece), Jader de Oliveira Santos, as recentes intervenções urbanas podem até parecer solução para mobilidade, no entanto, elas potencializam outros graves problemas.
4
Riacho Pajeú, onde às suas margens, Fortaleza nasceu e cresceu, foi perdendo curso e possui a maior parte de sua extensão aterrada Fotos: Arquivo Nirez e Cid Barbosa
Segundo ele, a tendência, a médio prazo, é o agravamento desses conflitos, pois o aumento das áreas impermeabilizadas vai agravar questões urbanas, como enchentes e o aumento da sensação térmica. "Dá pena ver o Pajeú quase apagado na paisagem urbana da cidade. Maltratado e ultrajado, é difícil convencer aos mais jovens de sua importância histórica", queixa-se o professor e geógrafo, José Borzacchiello. Esse ultraje, aponta, é repetido várias vezes. No seu entender, ele deveria ser preservado como recurso hídrico, ser visto como dádiva e não problema. No entanto, foi sempre tratado como entrave para que a cidade crescesse em direção leste. Como referência simbólica também foi desprezado. "Por onde passa o Pajeú? Qual o seu percurso? Como segui-lo ao longo de seu leito. Missão impossível. Nosso riacho histórico, razão da localização da Fortaleza Nossa Senhora da Assunção naquele ponto da cidade fica anulado a cada dia que passa. É lamentável e muitos não querem nem saber", diz.
Para o especialista, o Cocó agoniza. "Repleto de aguapés, aguarda medidas de recuperação de seu leito. Não temos noção exata de sua capacidade de suporte, de sua importância na malha. O Rio Ceará, ao contrário do Cocó, não é centro de atenção de políticos, não tem força midiática. Sua expressão paisagística restringe-se à sua foz. Seu manguezal carece de proteção".
5
A antiga Lagoa do Tauape deu lugar à Avenida Marechal Deodoro. O local foi aterrado e hoje é espaço de edifício e área para estacionamento para quem vai ao Estádio Presidente Vargas. Fotos: Arquivo Nirez/ Cid Barbosa
"A qualidade de vida é diretamente ligada à preservação dos sistemas ambientais", assinala ainda o geógrafo Jeovah Meireles. Assim como Borzacchiello, ele defende ações urgentes para minimizar as ilhas de calor, ampliar a captura do dióxido de carbono, retomada das áreas de recarga do lençol freático, visando resultar na melhoria da água com o saneamento básico integral e voltada à ampliação da biodiversidade com áreas especiais para lazer.
O professor de Gestão Econômica e Ambiental da Universidade de Fortaleza (Unifor), Albert Gradvohl, analisa que a Capital possui grande adensamento demográfico, o que provoca uma verdadeira competição por espaços. "Esse fato, comum em nossos grandes centros urbanos, provoca impactos de toda ordem como a disposição irregular de resíduos, desmatamento de matas ciliares destruindo suas formações florestais facilitando erosão do solo nas margens desses recursos hídricos", frisa.
Na sua visão, a causa maior de tudo é a inexistência de políticas públicas com estrutura de fiscalização proporcional ao tamanho das cidades. "O uso e ocupação dos espaços, sobretudo o costeiro, precisa ser definido, evitando o crescente nível de expansão urbana desordenada e de especulação imobiliária".
Saiba mais
Maraponga - A lagoa está localizada a oeste da Bacia Hidrografia do Rio Cocó e que tem a Avenida Godofredo Maciel como principal acesso, no bairro do mesmo nome e possui uma paisagem natural de grande porte
Parangaba - É considerada o maior recurso hídrico da Bacia do Rio Maranguapinho. Nos primórdios da Cidade, o seu entorno gerou um dos bairros mais importantes da Capital
Messejana - Localizada na Bacia Hidrográfica do Rio Cocó, o manancial é um dos recursos naturais mais relevantes da cidade. A Lagoa conta com uma das estátuas de Iracema com 13 metros de altura
Porangabussu - Localizada no bairro Rodolfo Teófilo. Passou por uma urbanização em 2003
Opaia - Localizada entre os bairros Aeroporto e Vila União. Em 2012, a lagoa passou por um processo de arborização com o plantio de 300 árvores nas suas margens
Sapiranga - Um dos maiores estuários de Fortaleza, a Lagoa da Sapiranga integra o complexo lacustre Sapiranga-Coité e faz parte da bacia hidrográfica do rio Cocó

Nenhum comentário:

Postar um comentário