Raimundo Gomes Farias ou simplesmente Gomes Farias. Assim é conhecido no meio esportivo local e nacional um dos maiores narradores do rádio esportivo cearense. Aos 77 anos, ele comenta que ainda se sente da mesma forma que começou a carreira como profissional, em 1965 - já com a voz aguda, vibrante e acima de tudo identificada com o público. Havia prometido que encerraria a carreira logo depois da Copa do Mundo de 2014, mas a paixão pela profissão falou mais alto e "vovô-garoto" do Ipu continua contagiando os torcedores de futebol.
Como foi o início da sua carreira no rádio esportivo?
Em 1958, fiz um teste em meio a 460 candidatos para a Rádio Dragão do Mar para ser locutor esportivo. Apenas três conseguiram permanecer - eu, o Jurandir Mitoso e o Cauby Chaves, que hoje trabalha conosco na Rádio Verdes Mares. Logo depois, a Rádio Uirapuru me contratou e depois fui para Assunção. Daí surgiu um convite para a Verdes Mares para formar uma equipe esportiva, em 1970.
Como surgiu a paixão pelo rádio esportivo?
Eu era menino quando meu pai comprou um rádio da marca Telefunken. Um dia, resolvi ligar o rádio e, quando ouvi uma narração de futebol, fiquei impressionado, pois o locutor falava tão rápido e não cansava. Na hora que a bola saia ele já fazia o comercial. Lembro até de um "Cafeaspirina, tomou, a dor passou". A partir daquele momento, decidi que iria ser um locutor. Lembro que papai chegava pra mamãe e perguntava se eu estava ficando doido, de tanto gritar gol pela casa. Cresci, estudei, me formei, mas nunca larguei o sonho de ser narrador esportivo.
Quem te impulsionou a seguir na carreira de narrador?
Um primo meu, Milton Pereira. Nós estudávamos no Liceu e a Dragão do Mar anunciou o concurso. Foi quando meu primo disse: "rapaz, aproveita e faz esse concurso". Eu achei que não iria conseguir, mas fui aprovado. Então agradeço muito ao Milton. Foi ele que me conduziu para fazer o testes e me colocar no rádio até hoje.
Durante a carreira, você criou vários bordões que até hoje são consagrados. Como eles foram surgindo?
A torcida cearense gosta muito disso e essa linguagem popular me favoreceu bastante. Sempre gostei de ver jogo e assistir futebol da arquibancada. Foi lá que aprendi muita coisa e levei para o rádio. Por exemplo, quando o jogador chutava no gol e a bola ia por cima, o torcedor gritava; "Tu mata o goleiro, seu ...". Então o "Tome bola" foi o primeiro lançamento. Depois veio o "Tá na peia", "Era perigo", "Chuva nas coivaras" e o "Encalca". E ainda criei um para cada time do Estado. "Time pai d'égua" para o Ceará, "Time macho" para o Fortaleza e "Time arretado" no caso do Ferroviário.
São 50 anos de profissão e muitas narrações históricas e marcantes. Quais você gostaria de destacar?
Duas em especial. Uma que eu nunca vou esquecer é a do tetracampeonato do Ceará, em 1978. Nessa época, o Paulino Rocha estava doente no Rio de janeiro, ouvindo a gente pelo telefone. Final de jogo, se o ceará fizesse aquele gol seria tetra e o Tiquinho o fez. Esse lance a gente não pode esquecer nunca. E o outro foi o Brasil perder o pentacampeonato mundial na França. Antes de começar o jogo, subiu um repórter francês dizendo: "O 'Ronaldô' não joga, 'Ronaldô' não joga". Aí fui à cabine da Globo e confirmei a notícia. Foi uma tristeza geral. Naquele momento, sentimos que iríamos perder a Copa. Mal começou o jogo o Zidane fez um gol, dois e..."
O que significou Paulino Rocha, pessoal e profissionalmente, para você?
Mais do que um irmão. Sempre me encontrava com ele uma ou duas vezes ao dia. Passamos por várias situações e isso fez com que eu me aproximasse muito dele. Tivemos uma amizade muito grande. No dia da sua morte, até afirmei que ele me orientou em tudo na vida. Só uma coisa ele não me ensinou, a me despedir dele. Foi um choque muito grande. Até o saudoso João Saldanha já citou que o Paulino era o único que entendia realmente de futebol no Nordeste. Não tinha igual ao Paulino.
Você viajou por vários lugares do Brasil e do mundo, mas uma dessas coberturas ficou marcada por um fato inusitado. Você lembra?
Claro. Foi em Aracaju. Fomos convidados para dar uma entrevista em um programa local que era muito ouvido por lá, chamado "Cadeira de Engraxate". Naquele tempo, o Ceará empatou o segundo jogo e houve a necessidade de ter um terceiro jogo, que teria árbitro de fora. Mas um companheiro da rádio, de quem não recordo o nome, disse: "Haverá o jogo e se o árbitro de fora não chegar, será um daqui". Nesse momento, meu companheiro, o José Santana, disse que faltava homem para dirigir o futebol sergipano. Isso doeu no locutor de lá, que devolveu: "rapaz, você vem lá do Ceará dizer que aqui não tem homem". Tentei contornar, mas não adiantou. Imediatamente, recebemos uma ligação dizendo: "saíam daí agora"! Resultado: Arrumamos o material e corremos. Só deu tempo de chegar no avião.
Como você vê o atual momento do futebol cearense?
Nosso futebol peca por não ter um bom trabalho de base. Uma época, perguntei ao técnico Marcelo Vilar se ele viria para o Ceará e ele respondeu que não tinha muito interesse, pois por aqui não tinha trabalho de base. O Fortaleza inaugurou o CT e não vejo surgir nomes. O Ceará também tem o seu, mas, ao meu ver, parece que não está bem organizado. Nosso futebol passa por um momento trágico, assim como o futebol brasileiro e o futebol mundial, com esse recente escândalo da Fifa.
Qual o sentimento de ser considerado um dos maiores ícones do futebol cearense?
Fico muito feliz. Tracei um plano e uma maneira de trabalho e, acima de tudo, fazer um rádio dinâmico. Quando cheguei à Verdinha, cobrimos todas as Copas, desde 1978. E essa maneira de comunicação fácil e simples, com a linguagem do povo, foi que realmente me deu, graças a Deus, muitas vitórias. Essa maneira de trazer o ouvinte. Quando começo uma transmissão, me coloco no lugar do ouvinte, o que ele quer saber e ouvir, naquele momento. Então acho que isso foi fundamental para o meu sucesso. Gosto do que faço e me sinto bem. Ainda sinto a minha voz como no início da carreira. Quem sabe fico no ar por pelo menos mais uns cinco anos.
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