terça-feira, 10 de maio de 2016

'Conciliação' política desafia gestão federal


O engajamento de parte da população nos temas políticos - seja em manifestações de rua ou em discussões nas plataformas online - mostra que brasileiros têm, sim, se interessado por política. Para cientistas políticos, o problema não é a radicalização dos discursos, dando prosseguimento a uma polarização iniciada antes das eleições de 2014, mas a "forma" como muitas dessas discussões ocorrem. A expectativa, na avaliação desses especialistas, é que nem um provável governo de Michel Temer nem o afastamento de Eduardo Cunha da Câmara Federal conseguirão arrefecer os ânimos sociais.
Os analistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste concordam que a insatisfação de forma mais explícita contra o governo comandado Dilma Rousseff ganhou fôlego ainda nas manifestações ocorridas em 2013, durante a Copa das Confederações sediada no Brasil.
Entretanto, esses posicionamentos políticos só tomariam uma forma na campanha eleitoral de 2014, quando Dilma Rousseff e o tucano Aécio Neves se enfrentaram no segundo turno das eleições e a petista levou a melhor por uma margem apertadíssima de votos.
"Havia incertezas sobre o que cada um que queria (nos protestos de 2013). Falava-se de políticas públicas de saúde. Havia consenso de que o dinheiro público não era bem gasto. Em 2014, houve uma eleição muito acirrada que nunca tinha se visto em âmbito nacional. Isso ocorre muito em nível local, em que várias pessoas são assassinadas", compara o cientista político Ernani Carvalho, professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Para o docente, "uma disputa desse nível sempre vai trazer prejuízos". "Em primeiro lugar porque a economia vai ladeira abaixo. Quando os agentes que deveriam estar atuando na economia estão preocupados em disputar a política, é um problema. Segundo porque não há solução institucional fácil. As instituições respondem, muitas vezes, de forma atabalhoada", analisa.
Participação social
Para o cientista político Jorge Almeida, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é positivo vislumbrar uma maior participação da sociedade na política. Entretanto, a maneira como essas discussões são travadas, explica o analista político, é que nem sempre é satisfatória.
"O envolvimento de grande parte da população na política não é negativo, porque, na verdade, sempre havia reclamação de que o povo não participava da política", pondera. "Em geral, isso seria positivo. O problema é a maneira como está se dando. E não é somente porque tem uma radicalização política. Nem sempre os debates precisam chegar a um consenso", destaca.
Jorge Almeida aponta que, especialmente das discussões de canais da internet, muitos debates são pautados com base em informações equivocadas. "A internet permite falsificação de mensagens, de agressões sem autoria bem definida em grande parte, falsificações de declaração das pessoas, postagens supostamente feitas por fulano, beltrano com expressão social", exemplifica o professor.
O cientista político diz que outra consequência do acirramento político é que parcela do eleitorado passou a assumir posição política. "A novidade maior desse processo todo é que parte da população passou a se assumir como de direita", atesta. Ele avalia também que o combo crise econômica grave, denúncias de corrupção e estelionato eleitoral de Dilma Rousseff se tornaram um explosivo para acelerar o desgaste contra o Governo Federal.
Divergências
Diante de tantas divergências sobre caminhos da política nacional, cujo ápice é o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, um fato é considerado, em parte, como pauta comemorada pelos dois polos do cenário político nacional: o afastamento do presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, do cargo, em decisão considerada histórica pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, não há consenso de que esse fato possa ser um marco conciliatório. "Isso é muito pouco provável. Não há possibilidade de esses atores se abraçarem na saída", opina Ernani Carvalho.
"Não acho que arrefecem os ânimos, porque a saída de Eduardo Cunha demorou muito. Na verdade, ele foi um ator muito importante para que o processo de impeachment se desenrolasse. O STF tem uma dívida de explicação na sociedade", corrobora Jorge Almeida. "São interpretações diferentes (sobre o afastamento de Cunha). Então continua a polarização, porque ela reflete em instabilidade política. Eles acabam agindo da mesma forma, usando os ministérios e cargos para negociação política com base em interesses particulares", acrescenta.
Já o cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), considera a tese de que a saída de Cunha possa minimizar o acirramento político na medida em que simbolize "troféus" para os dois lados da disputa. "Troféus são o impeachment e o afastamento de Cunha", avalia.
Outro motivo que poderia reduzir animosidades, diz Adriano Oliveira, seria o recuo da Operação Lava Jato para que o eleitorado pudesse vislumbrar avanços na economia. "Deve haver uma maior normalidade sem tantas prisões e se Temer conseguir uma governabilidade", projeta. "Até o Lula pode recuar um pouco. Ele pode dar uma mergulhada para se preparar para as eleições de 2018", analisa.

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