Fortaleza trava uma relação ambígua com seus recursos hídricos. Assim como a maioria das metrópoles, - cujo o início está atrelado à rede hidrográfica - a capital cearense nasceu e se desenvolveu às margens do Riacho Pajeú, que representava fonte de vida, de água, comida, diversão e lazer. Com o crescimento acelerado e desordenado, o manancial perdeu valor e hoje pouco se vê ou sabe sobre ele. Sua nascente foi aterrada para a construção de prédios ou colocação de asfalto nas vias como a Avenida Heráclito Graça. Corre em galerias e canais poluídos e fétidos. Esse é o exemplo mais claro do que o desenvolvimento insustentável provocou na cidade que sufocou seus rios, lagos e lagoas.
É difícil de imaginar que até 1970/80 a população tomava água, nadava e pescava no Riacho Maceió. O eletricista Francisco de Assis Acioly que o diga. "Não tinha casa, rua asfaltada e a agente podia ver e ouvir o barulho do mar. Sei que a cidade tem que crescer, a população necessita de moradia, mas não precisava fazer isso que nós mesmo fizemos aqui", lamenta.
Outro que virou depósito de lixo e luta para sobreviver é o Rio Cocó. No trecho da BR-116, os problemas de degradação e assoreamento estão visíveis Fotos Cid Barbosa
Atualmente, graças a muita luta, foi construído um parque em trecho do Maceió. "Ainda está muito poluído e mesmo assim, a avenida passa por cima dele, abafando e escondendo suas águas. E pensar que aqui tinha mangueiras e outras árvores frondosas", comenta ele.
Na cidade não existe uma reserva natural que ou não tenha sido asfixiada ou virado depósito de lixo. O Cocó é um deles. "O desafio é tentar salvá-lo", diz o biólogo João Madureira. Para ele, as ações neste sentido ainda são tímidas. "A ideia é torná-lo navegável em pequeno trecho, entre as avenidas Sebastião de Abreu e Engenheiro Santana Júnior, mas o assoreamento continua e piora em grande parte", analisa o biólogo.
O aposentado Alexandre da Silva mora nas proximidades do rio, na BR-116. "Lembro que antes tinha muitos peixes, a gente podia tomar banho e agora virou isso aí, um esgoto a céu aberto", acrescenta.
As águas do Rio Maranguapinho foram límpidas e atraíam pessoas de todas as idades que tiravam dele seu sustento e diversão. Atualmente, projeto tenta reverter assoreamento e degradação do manancial
Desaparecimento
O memorialista Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, lembra de pelo menos dois corpos hídricos "engolidos" pelo progresso: a Lagoa do Tauape, nas proximidades do Estádio Presidente Vargas (PV), e do Riacho Jacarecanga, localizado em bairro do mesmo nome. "A primeira foi aterrada para a Avenida Marechal Deodoro e construção de prédios residenciais. O mesmo destino da segunda, onde era possível navegar. Ali, foram surgindo as elegantes edificações do local", conta o memorialista.
Para o geógrafo da Universidade Federal do Ceará (Uece), Jader de Oliveira Santos, as recentes intervenções urbanas podem até parecer solução para mobilidade, no entanto, elas potencializam outros graves problemas.
Riacho Pajeú, onde às suas margens, Fortaleza nasceu e cresceu, foi perdendo curso e possui a maior parte de sua extensão aterrada Fotos: Arquivo Nirez e Cid Barbosa
Segundo ele, a tendência, a médio prazo, é o agravamento desses conflitos, pois o aumento das áreas impermeabilizadas vai agravar questões urbanas, como enchentes e o aumento da sensação térmica. "Dá pena ver o Pajeú quase apagado na paisagem urbana da cidade. Maltratado e ultrajado, é difícil convencer aos mais jovens de sua importância histórica", queixa-se o professor e geógrafo, José Borzacchiello. Esse ultraje, aponta, é repetido várias vezes. No seu entender, ele deveria ser preservado como recurso hídrico, ser visto como dádiva e não problema. No entanto, foi sempre tratado como entrave para que a cidade crescesse em direção leste. Como referência simbólica também foi desprezado. "Por onde passa o Pajeú? Qual o seu percurso? Como segui-lo ao longo de seu leito. Missão impossível. Nosso riacho histórico, razão da localização da Fortaleza Nossa Senhora da Assunção naquele ponto da cidade fica anulado a cada dia que passa. É lamentável e muitos não querem nem saber", diz.
Para o especialista, o Cocó agoniza. "Repleto de aguapés, aguarda medidas de recuperação de seu leito. Não temos noção exata de sua capacidade de suporte, de sua importância na malha. O Rio Ceará, ao contrário do Cocó, não é centro de atenção de políticos, não tem força midiática. Sua expressão paisagística restringe-se à sua foz. Seu manguezal carece de proteção".
A antiga Lagoa do Tauape deu lugar à Avenida Marechal Deodoro. O local foi aterrado e hoje é espaço de edifício e área para estacionamento para quem vai ao Estádio Presidente Vargas. Fotos: Arquivo Nirez/ Cid Barbosa
"A qualidade de vida é diretamente ligada à preservação dos sistemas ambientais", assinala ainda o geógrafo Jeovah Meireles. Assim como Borzacchiello, ele defende ações urgentes para minimizar as ilhas de calor, ampliar a captura do dióxido de carbono, retomada das áreas de recarga do lençol freático, visando resultar na melhoria da água com o saneamento básico integral e voltada à ampliação da biodiversidade com áreas especiais para lazer.
O professor de Gestão Econômica e Ambiental da Universidade de Fortaleza (Unifor), Albert Gradvohl, analisa que a Capital possui grande adensamento demográfico, o que provoca uma verdadeira competição por espaços. "Esse fato, comum em nossos grandes centros urbanos, provoca impactos de toda ordem como a disposição irregular de resíduos, desmatamento de matas ciliares destruindo suas formações florestais facilitando erosão do solo nas margens desses recursos hídricos", frisa.
Na sua visão, a causa maior de tudo é a inexistência de políticas públicas com estrutura de fiscalização proporcional ao tamanho das cidades. "O uso e ocupação dos espaços, sobretudo o costeiro, precisa ser definido, evitando o crescente nível de expansão urbana desordenada e de especulação imobiliária".
Saiba mais
Maraponga - A lagoa está localizada a oeste da Bacia Hidrografia do Rio Cocó e que tem a Avenida Godofredo Maciel como principal acesso, no bairro do mesmo nome e possui uma paisagem natural de grande porte
Parangaba - É considerada o maior recurso hídrico da Bacia do Rio Maranguapinho. Nos primórdios da Cidade, o seu entorno gerou um dos bairros mais importantes da Capital
Messejana - Localizada na Bacia Hidrográfica do Rio Cocó, o manancial é um dos recursos naturais mais relevantes da cidade. A Lagoa conta com uma das estátuas de Iracema com 13 metros de altura
Porangabussu - Localizada no bairro Rodolfo Teófilo. Passou por uma urbanização em 2003
Opaia - Localizada entre os bairros Aeroporto e Vila União. Em 2012, a lagoa passou por um processo de arborização com o plantio de 300 árvores nas suas margens
Sapiranga - Um dos maiores estuários de Fortaleza, a Lagoa da Sapiranga integra o complexo lacustre Sapiranga-Coité e faz parte da bacia hidrográfica do rio Cocó
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